George Szenészi*

          Por que você sente as emoções e sentimentos que sente? E por que a vida tem tantas emoções? As ideias que exponho aqui fundamentam-se em descobertas recentes da neurociência e do modelo psicoevolucionário das emoções. Vou mostrar, de modo muito breve, como se dá o aparecimento da maioria dos estados emocionais em você e em nossa cultura. São reflexões que poderão ser, para você, importantes.

Quando pensamos sobre como você e outras pessoas levam a vida vamos notar que, na realidade e a cada instante, você está passando por alguma experiência emocional. Alegrias, prazeres, irritações, receios, tristezas e dores, culpas, curiosidade, saudade, motivação, surpresas e muito, muito mais. Porém, a maior parte das pessoas está vivendo uma espécie de escravidão – a escravidão de suas próprias emoções e do controle emocional que buscam ter. E verá porque foi assim que vocês construíram suas vidas emocionais.

O QUE SÃO AS EMOÇÕES

As emoções surgiram ao longo da evolução, desde os animais mais primitivos até a espécie humana. Surgiram como parte da adaptação das espécies para lidar com seu meio: com os outros animais, semelhantes ou distintos, agressivos ou cordatos e com aquilo que a natureza estava trazendo. Tudo isso visando a sobrevivência. Saiba que a vida emocional não é propriedade da espécie humana. Todos os animais mamíferos possuem sistemas emocionais neurológicos semelhantes aos nossos, com funções, órgãos, química e reações semelhantes.

As emoções são programas biológicos de todos os mamíferos.

As emoções estão aí com um grande propósito: facilitar ao indivíduo lidar com necessidades e acontecimentos essenciais que se repetem ao longo da vida. Um rato e uma girafa têm reações emocionais naturais iguais às nossas, humanos.

Emoções têm papéis importantes. Evoluíram a partir de um tempo em que o meio ambiente possuía uma dureza natural e os animais poderiam ser caçadores ou ser presas. Num meio como esse eles precisaram reagir rapidamente aos acontecimentos. Suas reações de maior sucesso foram se consolidando e deixaram os mamíferos mais evoluídos que os demais animais, com reações refinadas e automáticas. Essas reações são disparadas caso cada evento, de alguma forma, ou ameace ou apoie sua vida e a vida da espécie. Instintivamente ativam reações testadas e aperfeiçoadas ao longo de muitos milhões de anos. Elas são as suas emoções, com seu papel mais importante – preservar a sua vida e a vida da sua espécie.

EMOÇÕES

Dessa forma, certas emoções você já nasceu sabendo, não precisou aprender. Suas emoções começaram a se manifestar durante seu primeiro ano de vida e são conhecidas como emoções básicas ou fundamentais. São a alegria ou diversão, a curiosidade, o cuidado dos filhos, o prazer do sexo e dos sentidos. Manifestam-se no amor, na amizade, no prazer de um sabor, no ouvir uma música, em dançar, na descoberta de algo novo. Essas emoções estão convidando-o a vivenciar aquele momento, estão dizendo: isso é bom, fique, continue!

Outras emoções fundamentais (conhecidas equivocadamente como emoções negativas) são ativadas quando você está diante da necessidade de defender sua integridade ou a integridade de alguém querido: a raiva na invasão de algo que é seu, a tristeza com uma perda, o medo diante de uma intimidação, a aversão perante algo potencialmente venenoso. Aparecem quando você, ou outro mamífero, está diante de uma ameaça, de algo que não dê suporte à sua vida e à manutenção da sua espécie. Fazem você evitar, fugir, enfrentar ou se recolher em isolamento.

Todas essas emoções já vêm em seu programa genético. São reações naturais que aparecem conforme programadas há milhões de gerações. São todas respostas biológicas. São, portanto, positivas, cumprindo papéis fundamentais na vida. Não existem emoções ou sentimentos negativos.

EXPRESSANDO AS EMOÇÕES

Entenda que a primeira maneira de lidar com uma emoção é a maneira natural – expressá-la com os movimentos de seu corpo e da face, gestos, olhares, seu tom de voz. Lembre-se de crianças brincando e dos adultos comemorando um ponto de seu time de esporte. Você tem aí expressões da alegria. Ao expressar uma emoção você mostra comportamentos típicos daquela emoção.

As emoções naturais têm um jeito próprio de ser – elas são curtas em duração e são aparentes, sendo às vezes intensas na expressão. E perduram por pouco tempo. Seu medo diante de um animal vai permanecer enquanto o animal estiver lhe ameaçando. Você sentirá uma tristeza enquanto a falta do que você perdeu estiver presente. Você certamente já viu um bebê alternando riso e choro com muita rapidez.

Emoções naturais duram pouco. A expressão plena de uma emoção
natural faz com que ela logo desapareça.

Mas há um risco, um risco que você mesmo foi descobrindo desde cedo. Expressar todas as emoções pode ter consequências socialmente desfavoráveis. À medida que você foi crescendo, papai, mamãe e outras pessoas começaram a mostrar o que é certo e o que é errado nas suas manifestações emocionais. Isso porque as sociedades têm suas regras e cada cultura tem seu jeito de lidar com as emoções. Umas serão punidas, outras criticadas, umas poucas aceitas ou incentivadas e outras talvez nem apareçam por que já são proibidas na vida familiar. Com o tempo você pode ter aprendido que não deve chorar livremente porque é fraqueza, não pode mostrar raiva e indignação porque é descontrole, não deve ter medo porque é covardia, não convém ser muito alegre porque é pouco educado ou nem experimentar os prazeres na vida porque a vida é sofrida.

Para lidar com isso, o caminho encontrado pelo homo sapiens foi impedir que as emoções aparecessem. Conter as emoções naturais foi o jeito que descobrimos para atender às normas sociais e, livres da censura e da punição, sermos aceitos, amados e respeitados pelos outros.  A parte mais dura dessa adaptação emocional ocorre o mais das vezes na família, que chama a isso de educação. Pensando sobre essa educação das emoções, eu a chamo de “domesticação”. Na verdade, você foi domesticado para atender aos princípios, normas e regras da sua casa. Não é o que fazem com a nossa “educação” emocional?

SUBSTITUIÇÕES

A emoção básica, controlada e adaptada em vez de ser expressa na forma natural para então desaparecer, passou a ser vivida espremida entre os castigos, entre os Não! os Não pode!,  os É feio! e O que os outros vão pensar?

Há, no entanto, um “porém” natural – não podemos ficar sem vida emocional. Você não consegue suprimi-la. Ela é biológica. Já se sabe que emoções contidas podem posteriormente “explodir” e serem mais danosas para você e às vezes para os outros. Encontramos então outra maneira de lidar com elas: aprendemos a fazer substituições escondidas.  O segredo de conviver com as normas familiares, sociais e religiosas foi desenvolver uma boa porção de estados emocionais pouco visíveis, pouco notados pelas outras pessoas e especialmente por papai e mamãe! Esses estados permitem a você viver as emoções em seu íntimo sem que ninguém ou quase ninguém as perceba: o ressentimento, a rejeição, o receio, a saudade, a cautela, a obsessão, a ansiedade, a vergonha, a indiferença, a culpa, o ciúme, a mágoa, o rancor, a depressão e muitos outros. São os sentimentos substitutos que hoje recheiam a vida dos personagens das estórias e dos personagens reais da história de cada um – inclusive da sua.

Esses sentimentos, a vida emocional de hoje, ocupam o lugar das emoções naturais que foram entregues a você para incentivar, desfrutar, informar ou defender. E, em vez de ficarem com esses papeis grandiosos, as substitutas surgem, na maioria das vezes, em questões banais, triviais, pequenas: na palavra que se disse numa certa hora, na discussão sobre uma ideia, na discordância com alguém, nos minutos de atraso, por causa de um telefonema não dado, devido ao olhar para outra pessoa, por não ter sido lembrado.

A vida emocional da maioria das pessoas está
recheada de coisas insignificantes.

AS PESSOAS FUNCIONAM BEM

Por outro lado, saiba que o desenvolvimento dos fundamentos para a mudança humana, aliados às pesquisas da ciência e à observação sobre a natureza humana, mostram que as pessoas são basicamente sadias ,“funcionam bem”.  Funcionar bem significa que você opera como um organismo auto regulado que mantem uma coerência interna. Isso quer dizer que você pode se compreender e compreender os demais a partir de seus programas biológicos naturais, da cultura em que cresceram e de suas experiências pessoais precoces ao tempo de sua formação. Você pode entender e interpretar as reações humanas como vindas de um aprendizado pessoal e social para a sobrevivência. E pode compreender que as dificuldades e eventuais transtornos pessoais vieram de suas adaptações à vida familiar e social. Durante esse tempo você desenvolveu suas estratégias e maneiras para lidar com a vida. Essas estratégias pessoais, formadas cedo na vida, podem não ser muito úteis para a vida adulta de hoje ou para condições diferentes daquelas do tempo em que você as aprendeu. Incluindo as emoções substitutas. A estratégia de criar emoções substitutas foi uma forma bem sucedida de lidar com problemas do passado. Porém essas estratégias podem ser renovadas, reaprendidas e outras novas incorporadas. A tecnologia das mudanças pessoais permite isso.

VIDAS EMPOBRECIDAS

O que acontece ao se viver as emoções com essas formas substitutas, que na realidade estão por trás das estratégias atuais ineficazes, é que elas empobrecem a vida. Você já notou quanto tempo uma mágoa costuma permanecer na vida de alguém e talvez na sua? E uma culpa, uma saudade? Não é necessário perguntar muito. A reação emocional substituta fica com você, permanece por meses, anos e até por toda uma vida. Emoções mantidas na forma de sentimentos substitutos diminuem sua energia, sua saúde e aumentam em muito a dificuldade na adaptação à vida. Diminuem sua flexibilidade e sua capacidade de superação dos conflitos que fazem parte do cotidiano, conduzindo você a fazer coisas pouco úteis ou até destrutivas.

Os sentimentos substitutos nasceram em momentos nos quais você abafou e não concluiu vivências essenciais da vida. Neurologicamente, a partir deles momentos semelhantes ou a eles relacionados passaram a não se completar devidamente. Seu cérebro aprendeu a trocar uma resposta natural por outra reação pouco eficiente. Sua vida ficou paralisada, mentalmente e emocionalmente, em diversos e antigos pensamentos, memórias e comportamentos. E isso passou a dificultar sua evolução pessoal. Você vai se perceber preso a modos de ser anteriores, com dificuldades para encontrar atitudes alternativas que lhe gerem mais liberdade, autonomia e capacidade de superação pessoal. O que estou dizendo, na realidade, é que cada dificuldade pessoal e emocional que você tenha, cada bloqueio que você perceba em sua vida, está ligado a um ou mais sentimentos substitutos. São eles que limitam a sua própria capacidade de resolvê-los e de dar passos mais produtivos e satisfatórios na sua jornada. Pense sobre isso:

Do ponto de vista da evolução, você passa a fazer parte daqueles cujas características não devem ser repassadas para descendentes.

Talvez a mais notada das consequências de guardar sentimentos sejam as enfermidades. Desde descobertas antigas até a psicossomática e os estudos científicos recentes sabe-se que as enfermidades e disfunções orgânicas têm origem em conflitos não devidamente superados na vida. Se o corpo está sofrendo, há um conflito não resolvido em sua raiz. E isso inclui as enfermidades psicológicas: depressões, ansiedades crônicas, transtornos antissociais e dissociativos, obsessões e compulsões, dependências e muitos outros. Finalmente, o custo disso tende a ser alto. Você vai investir muito mais em automanutenção: seu tempo e custo com exames específicos e periódicos, profissionais da saúde, medicações, controles e exercícios especiais. E isso sem falar dos psicólogos, psicoterapeutas e outros profissionais para aquilo que você faz querendo manter sua saúde física e mental em bom estado. Sentimentos substitutos, com certeza, acarretam muito mais manutenção pessoal.

Em outras palavras, os sentimentos substitutos estão dizendo que você não está usando toda sua autonomia para dirigir sua vida, seu potencial para criar seu caminho, sua flexibilidade para lidar com desafios, sua sensibilidade para desfrutar as escolhas e sua alegria para festejar.

Os sentimentos substitutos estão informando que você é um
prisioneiro emocional, paralisado e sem liberdade.

COMO VOCÊ SABE QUE TEM PARALISAÇÕES?

Este é o ponto de partida: saber que tem paralizações. A verificação é supreendentemente simples: cada emoção ou sentimento que você tiver em sua memória é uma paralização. Quanto mais lembranças com emoções e sentimentos, mais você tem paralisações internas. Toda emoção substituta guarda bloqueios. E emoções ou sentimentos em memórias são sempre substitutos. Emoções naturais vividas não deixam memórias, não deixam registros sentidos. São programas realizados. Apenas ficam em sua história. Lembrança emocional é memória paralisada, que imobiliza suas formas de lidar com a vida. Quer você goste ou não, somos prisioneiros emocionais. Com isso, a expressão das emoções substitutas, quando acontece, é muito mais intensa do que seriam as emoções naturais. Por outro lado:

A expressão natural das emoções, aliada à inteligência e à maturidade,
é despojada, é simples. E forte, quando necessário. Como na natureza.


* Artigo adaptado de Autoconhecimento Emocional: Viva mais feliz com poucas emoções. G. Szenészi, 2016-2022.